Uma copa.
É um rio profundo e escarpado desnudando-se
Tem as formas e um sulco marcado
São montes que o abraçam e cobiçam
Corre neles a água de um desejo
O seu convite e o seu banho proibidos e permitidos
Fomos crianças e ainda somos nestas sombras
São verdejantes campos de imaginação
Vão na vida como sementeiras de amor
Um rio assim nasce e certamente desagua por afectos.
Corro estradas e caminhos sem fim
Percorro e corro quem e não sei
São avenidas rectas e curvas enfim
O som da vida é acústico hei
Este trajecto não cruza nem toca no céu nem
O som da vida é acústico e destoa
Vou adiante corro, caminho de pé sem
O bater no chão dos meus pés são passos
O tamanho destes tantos são dias e noites
Os lados dos caminhos têm muros tão altos quanto
Adiante daqueles bordos multi-coloridos hão-de vidas
Para além da minha vista são ouvidas
O sol para além se deita amanhã e volta na alvorada
A vida é um caminho aleatório e tem cansaço
O futuro é um dia adiante do outro de avanço
O rumo sem sentido de partida e tem chegada.
Assopro de cordas e músculos
Voz do peito e do pulmão
Voz que brota da batida do coração
Ar de palavras e tons que expira e inspira
Ar que a vida soa e respira.
Fel, amor, sofrimento, revolta e grito
Gutural, sensual, assoprada, compassada, ritmada, com e sem
Acelerada, lenta, melódica, instrumentada, com e sem
Humana de nascimento, inventada e reinventada
Máquinas e instrumentos a embalam em contínua senda.
Companhia de amores e paixões, de povos e nações
Hinos, baladas, batidas, fados, enfados, e sem número
Sina sem limites nem fronteiras, por vozes sem número
Sentimentos, pensamentos e expressões falando em canto
Sinais de Deus fazendo-se ver em-canto.
Naqueles campos e pelas suas leivas
Palhas de fogo percorrendo ondas e ventos
Em seus cabelos de centeio amadurecidos.
Em seus caminhos e destino se fazem campos floridos
São searas de onde nascem passados e vindouros
E seus sorrisos e encantos se perfumam de cheiros.
Duas grutas avisam seus segredos
As suas sombras e as suas histórias nela se guardam
Os seus olhos e a sua fertilidade.
A primavera traz nascença e o sol corre mais longe
O mundo é feito de dias e o amor é feito de estações
Mais ainda hão-de vir os Verões, os Outonos e os Invernos.
Em seu amor lavra e em seu mundo percorre e semeia
Os solstícios são dois e os equinócios outros tantos
O seu chão de corpo, é desejo, é carne e é terra de pão.
És como te conheço
És cor e tela de aguarela
És um doce como te saboreio
És mel e açúcar como a tua pele
És um encanto como me alegras
És dança e feitiço
És uma luz como me despertas
És dia como um sol
És uma noite como adormeço
És lua e estrelas e cometas
És quente como me incendeias
És tição como fogueiras
És paz como me serenas
És céu de madrepérola
És mágica como um ilusionismo
És bela como mil quadros
És viva como vida em mim
És um sonho como tu
És mar como calmaria
És navio à bolina
És uma estação como há-de vir
És tempo como o presente
És alimento aos meus sentidos
És sensual como tu
És a vida como há em mim
És um encontro
És como és
És como não sei
És
És e tu.
Crise de princípios, de valores, de ideias, de moral, de ética, de solidariedade, de compaixão, de partilha, de dádiva, de estabilidade, de fidelidade, de lealdade, de honestidade, de verdade, de rectidão, de seriedade, de escrúpulo, de vergonha, de decência, de honra, de humildade, de quietude, de sobriedade, de arrependimento, de perdão, de justiça, de disciplina, de ordem, de governo, de legalidade, de pontualidade, de trabalho, de emprego, de produtividade, de alimentos, de sustento, de dignidade, de probidade, de coragem, de arrojo, de criatividade, de invenções, de soluções, de revoluções, de mudança, de esperança, de futuro, de paz, de tolerância, de amizade, de amor, do casamento, da maternidade, da paternidade, da natalidade, de crianças, de jovens, de homens, de mulheres, da família, da vizinhança, do bairro, da cidade, de cidadania, de civismo, dos grupos, das gentes, das raças, das etnias, dos países, das alianças, dos continentes, das espécies, da fauna, da floresta, do ar, da terra, da água, dos mares, do clima, do planeta, da vida, da espiritualidade, das crenças, da fé, de Deus.
Tanta, tanta, tantas crises, numa só crise.
Uma global, uma crise global.
És como te conheço
Ser gaja é uma síndrome e um estado de coisa nenhuma.
A gaja é a gaja
É a morena loura e a chique
É vazio e aparência: é tudo e nenhuma coisa.
Ser gaja é uma lufa-lufa de adereços e trapos.
As gajas paleiam, dizem-se e pelos cotovelos
Reunidas soam-se escutadas
Esganiçam suas vozes e seus relinchados acordes.
Cacarejam em seus dentes e postiços,
Esvoaçam suas penas e seus degredos.
Têm Messenger e muitos nadas onde caírem mortas
Têm telemóveis e cêntimos de tempo.
Têm e não seus amos e seus servos
Também eles são gajos
Têm ou não seus gajos e seus chulos.
São-no gajas e vivem-se em ansiedades
Têm xanaxes, rímeis, cigarros e já estão mortas.
São fúteis dias em vidas exangues.
Têm a vida dos outros ausentes da sua
Nem putas, nem mães, nem coisa alguma
Vivem os dias finais em suas sem vidas.