Segundo foi anunciado, o atual Governo Socialista encontra-se a elaborar uma revisão do Código dos Contratos Públicos.
A nosso ver, o objetivo que preside a esta revisão legal, passados que estão meros 8 anos após a sua aprovação, mais não tem em vista do que facilitar a liberdade burocrática da contratação pública, atenuar, senão mesmo evitar, o controlo e a fiscalização do Tribunal de Contas e da Inspeção Geral de Finanças para um maior número de contratos e mais vultuosos orçamentos e, por fim, escancarar as portas da contratação pública ao livre arbítrio financeiro dos políticos e decisores públicos.
O fito deste novo projetado Código, fica à vista, visa a eliminação do maior número de possibilidades da cadeia para os delinquentes públicos.
A corrupção e o furto do erário público, como é sabido, começam, na maioria das vezes, num simples pedido ou acordo para a entrega de um orçamento com um preço previamente determinado.
"Faz-me um orçamento por “xis" preço", ou seja, um pedido para a entrega de um orçamento ditado por um preço máximo, ou mínimo, combinado, são a chave do acordo entre o corrupto e o corruptor.
Entre os ajustes diretos ou os concursos públicos, a diferença reside, no primeiro caso, na corrupção e, no segundo, a da honesta, séria e responsável administração do erário público.
Todo e qualquer contrato público que seja levado a efeito e sem ser precedido de um concurso público transparente, aberto e sujeito às regras livres do mercado, tem em vista, geralmente, a prática de condutas e proveitos ilícitos dos envolvidos!
Nem um só cêntimo do Estado ou das Câmaras Municipais devia ser gasto, ou um só funcionário ser admitido, sem que não fosse primeiro, obrigatória e escrupulosamente, cumprida a regra do concurso público.
E o Código dos Contratos Públicos (Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29/1), nos seus artigos 5º, n.º 1, 24º e 27º, vinca a imperatividade, a essencialidade e a obrigatoriedade do respeito pela regra dos contratos públicos, portanto da sua necessária e impositiva realização, o cumprimento e o respeito pelos procedimentos do concurso, abertos, públicos e transparentes, como condição imperativa e sine qua non para o dispêndio do erário público.
Portanto, a regra imperativa e sem dispensa, segundo o que a lei impõe, é a feitura e o cumprimento do concurso público, sendo a rara exceção o ajuste direto (artigos 1º, n.º 4, 4º e 16º, n.º 1).
Mas, ao arrepio e em flagrante violação da lei, todos os dias, por todo o lado, os mais diferentes agentes do Estado e das Câmaras Municipais vêm a público dizer, ou justificarem-se, com os alegados montantes mínimos e máximos dos contratos e dos orçamentos envolvidos, para escaparem à realização dos concursos.
O que artificiosa e mentirosamente justificam na sua opção pelos ajustes diretos, a lei claramente não diz nem permite, antes e ao contrário obriga, em regra, ao concurso público.
A dispensa legal do concurso é a exceção (artigos 112º, 128º e 129º), os ajustes diretos só são permitidos marginalmente e em caos mínimos - desastres públicos, ausência de propostas ou inexistência de concorrentes, situações fundamentadas de emergência pública ou perante um relevante interesse público.
Segundo o Código dos Contratos Públicos (Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29/1), só em raros e contados casos e em muito baixos montantes económicos e financeiros, mas jamais no caso de admissão de um novo funcionário, podem ser dispensados os concursos públicos.
Mas a regra legal imperativa do concurso público não é cumprida nem respeitada entre nós, por todo o lado abundam os ajustes diretos de todo o tipo, na compra de serviços, bens ou despesas, em qualquer montante económico ou financeiro, etc., com o atropelo da lei, a subversão do melhor preço, a adulteração das regras do mercado, e desvirtuação da concorrência e da competição entre os agentes económicos.
Por meio desta prática ilegal são privilegiados os compadrios e os familiares dos envolvidos, tendo em vista o favorecimento particular e ilegítimo dos seus autores, incentivados o amiguismo e as "cunhas", com o prejuízo dos melhores cidadãos e empresas, do mérito e da comunidade em geral.
Nesta extensa teia e tortuosa atividade pululam os crimes e delitos patrimoniais, económicos, fiscais, financeiros, ilegalidades e abusos de poder, entre outros.
Ora, até que portugueses não percebam a atividade obscura e perversa que está por detrás dos ajustes diretos, em razão e por causa da falta dos concursos abertos e transparentes por banda do Estado e das Autarquias, jamais perceberão o fenómeno do enriquecimento ilícito de políticos, em geral, dos governantes, autarcas, funcionários, empresários e comerciante, em particular!
Até prova provada em contrário (!), onde houverem ajustes diretos, certamente, há aí a prática do “cambão”, das “luvas” e dos pagamentos debaixo da mesa, ou seja, a atividade da corrupção, agida por meio da ação criminosa de corruptos e corruptores, o prejuízo do Estado, do erário público, do povo e, finalmente, a espoliação dos contribuintes e do dinheiros dos particulares.
Decorrentes desses contratos obscuros, ínvios e manipulados os cidadãos recebem em troca os maus, mais caros, mais incompetentes e piores serviços públicos fornecidos aos utentes.
Nas compras públicas e nomeações administrativas levada a efeito sem a realização dos respetivos concursos públicos, ou seja, no procedimento por ajuste direto feita, há, muito provavelmente, lugar à corrupção, associação delituosa e criminosa, ineficácia e a ineficiência antieconómicas, apropriação indevida de dinheiros públicos, abusos da coisa pública e furto do dinheiro dos contribuintes.
Ora, a revisão do Código dos Contratos Públicos agora tida em vista, não elimina, nem sequer se atreve a combater os vícios acima apontados, antes pelo contrário, vem até aumentar os montantes financeiros passíveis de ajustes diretos - de, conforme "os bens e serviços, 20 mil e 30 mil euros" - e, o que se tornará naquilo que podemos chamar de porta basculante de entrada dos cartéis de corrupção no Estado, "a consagração do procedimento de consulta prévia, com consulta a três fornecedores para as aquisições de bens e serviços entre os 20.000€ e 75.000€ e para as empreitadas de obras públicas entre 30 000€ e 150 000€a três fornecedores para as aquisições de bens e serviços entre os 20.000€ e 75.000€ e para as empreitadas de obras públicas entre 30.000€ e 150.000€".
Por último, qual cereja no topo do bolo, ressalta nesta opção legislativa, a forma de resolução dos litígios entre os contratantes públicos e privados pelos "centros de arbitragem", tão mal afamados por todas as vezes servirem para gravemente lesarem e prejudicarem o Estado e os contribuintes, e, esta sim de contornos assumidamente discricionários e arbitrários, a da desnecessidade "de fundamentação da decisão de contratar para todos os contratos, com requisitos adicionais, especialmente exigentes, para os contratos a celebrar de valor superior a 5.000.000€, que tenham por objeto a contratação de bens ou serviços de uso corrente".
Ora, mesmo que o Governo a venha justificar com os argumentos de "simplificação, a desburocratização e a flexibilização dos procedimentos de formação dos contratos públicos, com vista ao aumento da eficiência e da qualidade da despesa pública" - in www.portugal.gov.pt/pt/ministerios/mpi/noticias/20160802-mpi-ccp.aspx -, em virtude de bem conhecermos a má experiência e os maus resultados da atividade delituosa do Estado Português e de um grande número de agentes públicos, verdadeiramente, o que lhe está subjacente é a liberdade negocial e empresarial das entidades públicas.
O manuseio do dinheiro público sempre foi um babel de burocracia, e assim continuando, ou seja, até que a sua liberdade seja deixada ao critério e à vontade negocial dos políticos e dos decisores públicos, jamais a corrupção e o abuso do dinheiro dos contribuintes terão um qualquer controlo racional e ou uma proteção digna desse nome.
A equação é simples, quanto maior for o risco, conhecida que é a habital má prática de muitos maus decisores públicos e a elevada taxa de condenação criminal daqueles, temos de concluir, para o futuro próximo, tememos, como altamente provável, muito e mais vultuosa corrupção pública e estatal!