Ideias e poesias, por mim próprio.
A justiça, os santos e os canalhas.
“No mais alto da escala está o juiz. Não existe um ofício mais alto que o seu nem uma dignidade mais imponente. Está colocado [...] sobre a cátedra; e merece esta superioridade.
Se aqueles que estão perante o juiz para serem julgados são partes, quer dizer que o juiz não é parte. Com efeito, os juristas dizem que o juiz está ‘super partes’; por isso, o juiz está no alto, o acusado em baixo [...] Ao invés, se o Ministério Público está ao seu lado, isso constitui um erro, que mediante uma maior consciência sobre a mecânica do processo acabará por ser rectificado.”
O encarregado de julgar uma contenda tem de ser imparcial, sob pena de inutilidade do próprio julgamento. Se o juiz não for imparcial, então tudo não passa de uma farsa sórdida. Sórdida porque imoral, injusta, ilegal, contrária à ética e repugnante à mais básica noção de processo; farsa porque se limita a ser uma vergonhosa encenação, visando dar o resultado combinado com uma das partes. Será uma burla processual. Um julgamento juridicamente inexistente.
Também se o acusador estiver ao mesmo nível do juiz, “materialmente” no que ao desenvolvimento e à sorte do processo respeita, teremos a mesma sórdida farsa.
Como visto, será um caso de “erro” não corrigido… por falta de consciência (do juiz) sobre a função e as regras do processo.
Ou seja: um juiz que efectivamente o seja, que tenha consciência da dignidade da sua função e da radical justiça implícita na estruturação do processo (que é uma contenda “civilizada” controlada por um terceiro im-parcial), nunca permitirá que qualquer parte fique ao seu nível. E muito menos permitirá que as suas decisões sejam determinadas pelo preconceito de que o acusador é sempre o “bom” e o arguido é sempre o “mau”; o preconceito de que tudo o que o acusador requer deve ser deferido, sendo de indeferir toda a pretensão do arguido.
Sempre que tal acontece estamos perante mais uma miséria do processo penal. Perante um juiz que se demitiu de exercer a nobre função que lhe depositámos nas mãos. A ele, a quem nos estados de direito cumpre velar pela vida, pela honra e pelo património dos seus concidadãos. Esse homem será qualquer outra coisa, mas técnica e eticamente não será juiz.
Por isso desconfiem de todo o julgamento que seja mera “crónica de uma morte anunciada”.
Mais que ler muitos livros, queria que os juízes conhecessem muitos homens; [...] principalmente, santos e canalhas [...]
Mas o erro, o erro tremendo, está em crer que aqueles que se encontram encarcerados na penitenciária estão todos condenados ao fogo do Inferno.”
"As misérias do processo penal", de Francesco Carnelutti.
