Segundo o disposto nos artigos 27.º, n.º 1, alínea b), e 74.º, n.º 1, ambos do Código dos Contratos Públicos, a adjudicação pelas entidades públicas dos contratos de prestação de serviços externos, ou outsourcing, por meio de mero ajuste direto, é expressamente vedada, devendo, ao invés no respeito do seu artigo 20.º, cumprirem-se as regras e procedimentos dos concursos públicos, abertos, objetivos e transparentes.
A imposição legal dos concursos públicos tem em vista a mais ampla auscultação das mais competentes e económicas ofertas de serviços técnicos, científicos e intelectuais, a garantia da concorrência e do mercado, na vigência e no respeito da ética e independência das empresas, dos agentes e dos profissionais.
Portanto, a contração aberta e concorrencial de profissionais credenciados, isentos e competentes, tem em vista a melhor e a mais competente atuação técnica, legal e financeira dos próprios Municípios, a proteção do interesse público, dos consumidores e do próprio Estado.
Posto isto, temos de perguntar aos nossos Municípios de Portugal, porque é que usam e abusam da contratação e ajustes diretos da prestação externa de serviços, quais sejam jurídicos, consultoria, fornecimentos de bens e muitos outros, violando ostensiva e deliberadamente a Lei?
A contração sem escrutínio e sem transparência abre portas a perniciosos e obscuros contornos, atropela a independência e a verdade, negligencia os conflitos de interesses, passando até mesmo por cima dos impedimentos e incompatibilidades legais de patrocínio, ou representação, simultâneo de partes antagónicas.
Nos Municípios, sejam eles “laranjinhas”, “rosas” ou “vermelhos”, constatamos a esmagadora maioria dos serviços externos entregues às empresas, escritórios e gabinetes da propriedade e mando dos mais influentes caciques partidários distritais e nacionais.
São assim prejudicados as melhores empresas, profissionais e agentes locais, que têm o seu principal aviamento e criam riqueza e emprego nos meios onde vivem e subsistem, onde pagam os seus impostos e taxas e dão às respetivas comunidades locais os seus contributos empresarial, intelectual, social e caritativo.
Estes ajustes diretos facilitam os interesses do amiguismo político-partidário, o tráfico de influências, as ligações e favores aos negócios e negociatas, sem rosto nem identidade, o assalto ao erário público, encarecem a despesa e os gastos, aumentam os encargos dos contribuintes e dos consumidores e, no final de contas, servem a corrupção.
Mas esta generalizada prática ilícita dos Municípios tem consequências na lei penal, que vão desde o crime de Participação Económica em Negócio, até ao crime de Corrupção Ativa, passando pelo crime de Abuso de Poder, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 377.º n.º 1, 374.º, n.º 1, e 382.º, todos do Código Penal.
E tudo isto é praticado à vista e sem qualquer pudor, mas raramente tem punição.
(twitter: @passossergio)
(artigo do autor, publicado na edição de 30 de Novembro de 2020 do jornal mensário regional "Horizonte" de Avelar, Ansião, Leiria)