A casa dos pais da namorada estava hoje repleta de afazeres, havendo inúmeras ocupações na sala de estar e na cozinha.
Era o dia de noivado dos dois jovens, ela mais nova e ele agora relegado a um lugar etário igual em virtude da oportunidade de uma futura celebração de esponsais.
Na sala a mesa principal encontrava-se ocupada e servida pelo melhor serviço de louça, de marca e adornado com brasões régios e flores de laranjeira.
A última vez que a terrina da sopa, os pratos cubos e os rasos, as travessas e a saladeira tinham sido colocadas no louceiro havia já quarenta e sete anos, havia sido pela ocasião do noivado da sua mãe e do seu pai.
A mãe agora estava tão feliz quanto havia sido na ocasião em que a sua mãe lhe havia servido um jantar e ao seu noivo, o pai da agora noiva.
Fazia anos que não se sentia tão sorridente, até mesmo e por momentos pareceu recordar os calores daquele distante dia de noivado, quiçá fosse o calor dos tachos, onde suava o refogado do cabrito, não conseguiu tirar a dúvida.
Mais logo ao deitar se saberia.
As flores de laranjeira pintadas manualmente naquela louça apresentavam ainda o vigor de todas as quarenta e sete primaveras contadas desde a última festa de noivado celebrada e rijamente festejada naquela casa.
Os avós ainda tinham estado presentes na ocasião e haviam também sorvido da sopa servida, segundo lembram foi uma canja de galinha, morta para a ocasião, e criada durante anos a fio.
Assim se fazia antigamente, comer uma galinha era mesmo só pra festas, fora disso lá se comiam em dias sorte alguns ovos, a maioria era para a venda, a receita comprava o açúcar, a farinha e, como era costume dizer-se, as linhas e as agulhas domésticas que fazem falta a qualquer a casa.
Nos demais dias era uma sardinha a dividir por três ou quatro comensais, dependendo do tamanho do peixe, e acompanhando sempre um caldo de couves, nabos e outras leguminosas, noutras eram favas ou grãos-de-bico, cada um nas suas épocas, e um generoso naco de toucinho que a salgadeira havia temperado de sal durante mais de 3 meses até chegar a sua hora de se trincar suculentamente no prato e afogado em gorduras, hidratos e muito azeite caseirinho.
Os frutos da terra e da lavoura eram a dispensa da casa, a abundancia foi coisa que nunca faltou, enquanto a saúde pudesse não havia a temer, as leiras de terra apresentavam-se como uma companhia pela vida fora e da natureza esperavam-se quatro estações, mais ou certas, como nem agora se conhecem na maioria dos relógios.
As vinhas de outrora forneciam o generoso tinto colhido das vindimas.
Havia morrido fazia mais de uma dúzia de anos, o velho Adriano, o avô da noiva, seco de carnes e magro de sorrisos, de humores e génio etílicos, tão zelosamente cuidava e amava as suas vinhas e os seus vinhos.
Valha a verdade, raramente o vinho chegava à mesa em condições de ser bebido, ou vinha amargo ou azedo, pelas inúmeras vezes que era provado antes e depois de ser dado como cozido, não fosse dar-se o caso do néctar se estragar antes do tempo.
As crianças têm uma igual tentação quando se fazem bolos, a pressa esvazia a cozedura de muitos ainda eles não chegaram ao clímax, caso os adultos não vigiem a ambos.
Outros tempos foram esses em que as costas curvas dos homens, cavadores de profissão, abriam a terra em sulcos profundos à volta das videiras, as podavam acariciando e convidando o rebentar dos seus frutos, as sulfatavam colorindo em azul e grená, vindimas se faziam pela força das mãos de homens e mulheres e os homens mais rijos acartavam cestos de uvas às costas e o vinho se rebentava das uvas pela ação dos pés descalços dos pisadores.
Hoje era o dia do pedido da mão da noiva, e o vinho foi apanhado na prateleira do supermercado da rua, era um tinto maduro do douro, veio na companhia do azeite, do bacalhau e de uma garrafa de um champanhe barato, porque a crise não permite grandes flostrias.
O rapaz, já homem, veio na hora combinada, eram perto de oito horas da noite, ainda não havia começado o noticiário da televisão, mesmo a tempo de escutarem para a hora do início do telejornal uma conferência de Imprensa do Ministro da Defesa por ocasião de um grave protesto de desagrado dos sargentos da Marinha que, vá-se lá a ver o desplante hilariante, fizeram no dia anterior uma manifestação em frente a residência oficial do Ministro com os remos às costas e envergando ao peito os salva-vidas, reclamavam um aumento de salário de dois vírgula três por cento de aumento, exigiam novos e alaranjados coletes salva vidas, porque os últimos já estavam esbranquiçados de muitos anos de nenhum uso e, por fim, pediam que aos novos recrutas não fosse mais exigido o décimo-segundo ano da escolaridade obrigatória como condições sine-qua-non para ingressar na marinha.
A Marinha é um lugar para a guerra e não para os intelectuais, diziam os seus sindicalistas, intervalados pelo refrão de “É mar é marinha, viva Portugal”.
O futuro noivo vinha num fato janota, um azul-marinho, a desmaiar para o arroxeado, coisa, ficou a constar, causada por ação dos armários protegidos por bolas de naftalina.
A naftalina tem efeitos estranhos, que a ciência ainda não conseguiu explicar completamente, embora seja usada como agente anti-traça com muitos bons resultados desinfetantes, contudo tem efeitos díspares nas cores dos tecidos, afiançou o futuro noivo.
Ninguém acreditou na explicação arrevesada para a cor desbotada da fatiota, salvou-se ao menos a gravata amarela fluorescente e uma camisa branca poida nas golas.
Os sapatos castanhos, umas meias azuis e às riscas grenás e um cinto preto compunham a personagem.
A noiva apresentou de calça de ganga e t-shirt, mostrando sinuosamente as formas dos salientes peitos, aureolados pelos mamilos eriçados, calçando um sapatos de saltos altos que tinham seguramente de altura bem perto de uns 10 centímetros, fazendo-a caminhar pela vista do seu redondo e torneado quadril e das pernas vistosas e apertadas, apertadas e marcadas sob o tecido da ganga.
Os protestos da avó fizeram-se logo ouvir, a rapariga estava muito oferecida disse severa e rindo-se lascivamente por dentro, aquilo já não era como no seu tempo de há quarenta e sete e mais anos, outro respeito e o que a visa nunca via já os filhos paridos nunca faltava, enchiam as casas e a descendência e a ocupação braçal não faltava aos campos e ao trabalho.
Outro tempo e outros costumes em que a sua filha havia sido prometida ao noivo, perdão a mão prometida, trajando um vestidinho de popelina, estampado com cornucópias, e uma capucha na cabeça, e o pai, o noivo, usava um casaco e calças pretas de sarja barata e de camisa branca comprada para a ocasião, sem usar gravata que era coisa que sempre se havia recusado usar por se queixar que os nós ao pescoço lhe tiravam o ar.
O noivado era uma instituição de coisa séria, era uma liturgia sagrada de compromissos familiares, era uma escritura lavrada a troca de uma inviolável honra, tal qual a honra virginal duma filha era entregue em sacrifício da criação pura e lavada das futuras gerações, pelos filhos dos filhos e pela povoação das casas de família, das gentes, dos lugares e das terras de Portugal.
Tal qual como Deus e Cristo fizeram Humanidade, assim os portugueses auguravam nos casamentos a continuidade da sua fé, bem como a certeza da sua esperança terrena da continuação das famílias.
O assunto da conversa de hoje na tabacaria eram os resultados do fim de semana de futebol da liga principal de Portugal.
O dono da tabacaria é um ferrenho benfiquista, a sua namorada é sportinguista, falava com eles terçando os seus encarniçados argumentos uma habitual visita matinal da tabacaria, um jovem reformado, por motivos que eu desconheço, da função pública e alienado adepto portista.
Eu sou, como é sabido, um benfiquista de sete costados, embora só ligue ao futebol do meu clube quando vai na frente do campeonato.
Quando o Benfica começa a perder jogo após jogo e não lidera a classificação do campeonato rapidamente me afasto da companhia do futebol, evito a todo o custo falar no assunto e nem quero olhar para as notícias do futebol nacional, fico tão doente e não quero sequer que me recordem a doença, apesar de dizer repetidamente que não sou apanhado da bola.
Até evito as páginas do jornal relativas aos eventos do futebol nacional; faça uma censura pré-programada a todos os jornais e aquelas notícias, pratico uma espécie de lápis azul mental e assim evito tomar mais colheradas do amargo sabor do meu particular desgosto futebolístico.
Enfim, é a minha singular maneira de ver o futebol e de, como adepto, ir dizendo aos mais ferrenhos e solidários do futebol, que não sou tão doente como eles, mas, secretamente, sou mais sofredor, nada mais nada menos.
Oh Benfica das minhas tristezas!
O dono da tabacaria lá estava, vangloriava-se da vitória do fim de semana do seu, meu também, Benfica, sobre o adversário de ocasião, o que lhe havia permitido voltar ao primeiro lugar da classificação, tendo assim ultrapassado o Porto.
Estava ufano e risonho e as palavras saiam-lhe de satisfação em catadupa da boca, assemelhando-se o seu troar como os dos tambores dos combatentes, entremeados com guinchos e pingos de saliva, após a vitória em mais um contenda.
O portista ferrenho, face ao resultado do empate da jornada do seu clube e a perda do primeiro lugar da classificação, estava mais cordato e menos arrogante, desfazendo o novelo da sua ladainha peçonhenta contra o juiz do jogo do seu clube, apelidando-o desde ignorante a tendencioso, e o mais que se pode imaginar, mesmo um mefistófeles.
A sorte, perante os dois tendenciosos contendores masculinos, tendo até evitando que se encarniçasse ainda mais a luta dos adjetivos e pejorativos clubísticos, foi o desabafo de alegria daquela singela criatura mulher por ter visto o seu Sporting, do que deu uma nota colorida e alegre no seu sorriso fresco de segunda-feira, ter ganho por uma expressiva goleada de seis golos a um contra o adversário dominical.
Nenhum deles dois tinha ainda visto as respetivas imagens das partidas comentadas, limitando-se a porfiar e a desafiar argumentos e teses com base nos títulos dos jornais daquela manhã.
Lá fiz a compra do jornal, pagando-o com dinheiro certo a fim de sair em maior velocidade daquele cubículo de futebol e, recebendo os agradecimentos do casal, segui para o meu habitual matinal café e pastel de nata, estando esta semana, também eu, penhorado de alegria clubística, em face da vitória do meu Benfica, e assim me encontrando livre da autocensura e já podendo ler as notícias do futebol do fim de semana.
Ah como invejo dos tempos de outrora do grande Eusébio, glória e pantera do meu clube, ainda eu não era nascido, em que o Benfica colecionava consecutivamente vitórias e títulos às carradas e os adversários nacionais e europeus se vergavam sem resposta à gloriosa águia dourada e ao lema “et pluribus unum”, ou de “um por todos e todos por um”, que fizeram daquele clube uma outra lenda dos portugueses e correndo o mundo nos anos sessenta e setenta do século XX.
A primeira página é mais um escândalo, normal e quotidiano, o que já não constitui novidade nacional, um político qualquer apanhado no recebimento de dinheiro em troca de um loteamento urbano de favor numa zona de reserva ecológica nacional.
Estas notícias de ilegalidade e corrupção nem sei como ainda despertam interesse dos leitores, afinal a política nacional hoje mais não é do que uma conhecida quinta de repasto de abundantes ladrões e aldrabões nacionais.
Os partidos políticos estão cheios deles e o país e os seus recursos são a sua propriedade de saque e roubo.
O povo vai definhando em fome, desemprego, e miséria, contudo sempre tem o futebol para desfiar os seus toscos princípios e a sua moral enviesada, denotando o seu fanatismo e a sua coletiva alienação mental.
E nos dias em que às pessoas o futebol não apetece, ou não tem transferências ultra-milionárias de jogadores nem escândalos fabricados de arbitragem para desfiar, sempre lhe assistem uns quaisquer vizinhos ou os ciganos para deles dizerem mal por nenhuma razão.
A democracia tem coisas destas e os portugueses parecem, neste princípio de século XXI, dar boa conta do recado e fazendo jus à sua tradição ancestral de alcoviteiros, nas suas conversas de escárnio e maldizer, coisas conhecidas desde os Séculos XII e XIV, portanto desde a fundação da nacionalidade portuguesa.
O BPN será, afinal, um caso de incontinência e impunidade da alta política portuguesa?
Percebe-se agora que o “affaire BPN” contém um número demasiado grande para caber nos jornais : € 9.710.600.000,00!!!
Cavaco Silva beneficiou da especulativa e usurária burla que levou o BPN à falência.
Em 2001, ele e a filha compraram (a 1 euro por acção, preço feito por Oliveira e Costa) 255.018 acções da SLN, o grupo detentor do BPN e, em 2003, venderam as acções com um lucro de 140%, mais de 350 mil euros.
Por outro lado, Cavaco Silva possui uma casa de férias na Aldeia da Coelha, Albufeira, onde é vizinho de Oliveira e Costa e alguns dos administradores que afundaram o BPN.
O valor patrimonial da vivenda é de apenas 199.469,69 euros e resultou de uma permuta efectuada em 1999 com uma empresa de construção civil de Fernando Fantasia, accionista do BPN e também seu vizinho no aldeamento.
Estes e os outros actos de grave prejuízo do Erário Público, envolvendo pessoas como Oliveira e Costa, Dia Loureiro, Duarte Lima e Cavaco Silva não são judicialmente investigados porquê?
Onde é que está o Estado de Direito em Portugal?
Quem é que, afinal, pressiona e coage, a Procuradoria Geral da República, de modo a não se apurarem estes vergonhosos actos de promiscuidade de políticos, banqueiros e bandidos da mais variada índole?
Na Alemanha o Presidente teve que se demitir e está sujeito a um inquérito criminal por ter obtido empréstimos de favor de um banqueiro, e porque é que em Portugal o Presidente Cavaco Silva não é investigado pelos negócios vergonhosos de tráficos de influências e favoritismo por meio de negócios que prejudicaram criminosa e gravemente Portugal e os portugueses?
Porque é que em Portugal há pessoas que vivem acima da lei e se aceitam que possa enriquecer ilegítima e fraudulentamente sem responderem pelos seus actos perante a sociedade?
Até quando é que em Portugal os políticos podem continuar a enriquecer criminosamente sem responderem pelos seus actos criminosos?
A seguir aos conhecidos políticos pedófilos, também os políticos corruptos também são beneficiados por uma imunidade judicial?
BASTA!
Um verdadeiro espanto, só pode ter sido, tal qual como deve ter sentido o maior criador de vacas do Norte de Moçambique, conhecido pelo seu apelido de Garcês, quando um certo dia viu um feiticeiro nianja ressuscitar um morto.
Conta-se que este intrépido português, homem robusto, atarracado mas hercúleo, de não mais de um metro e sessenta de altura, cabelo crespo e moreno, conhecido por uma coragem nunca vista e sem igual, possuiria em meados dos anos 70 mais de dez mil rezes numa extensa propriedade de latifúndio no Niassa, pouco tempos antes da independência de Moçambique e a sua separação do último império português.
Contam também que a sua imensa criação de gado bovino muito se ficaria a dever à especial bênção que ele lançava sobre os animais, lhe ensinada pelo feiticeiro nianja, assim fazendo-os proliferar na razão espantosa de cada vaca parir à vez dois bezerros.
Segundo os habitantes naturais do Niassa o dito feiticeiro teria já de vida mais de duzentos anos, no que eu sou tentado a acreditar por um certo dia o ter visto também.
A sua cara enrugada e velha como a de uma múmia, os seus dentes pontiagudos e afiados pela sua faca de pedra que trazia presa à cintura por uma tigrada pele seca de jiboia e com a qual sangrava também os males dos doentes, convenceram-me, desde o dia em que o vi, nos meus sete anos de idade, tanto o medo terrífico como a idade bicentenária daquela seca e estreita figura do assustador feiticeiro.
Essas terras africanas, do norte de Moçambique, qual resto paradisíaco climático, temperado e quase igual durante o ano inteiro, dividido por uma estação seca e uma outra das chuvas, possuem um céu azul especial e diferente, como não há em nenhum outro lugar do mundo, quiçá seja o reflexo espelhado do profundo azul-turquesa das águas do seu imenso lago.
As suas longas e extensas planícies, em que a vista se perde no horizonte sem se encontrar qualquer obstáculo, fazem criar no espírito de qualquer indivíduo uma melancolia da pequenez humana e ao mesmo tempo uma ambição tão grande quanto o tamanho quase infinito das terras prenhas de vida e de futuras promessas de fartura e de abundância.
Somente as chuvas diluvianas e as trovoadas incandescentes dos céus, antecedidas sempre de esmagadoras pressões atmosféricas, conseguiam, por momentos e nos instantes em que irrompiam, fazer lembrar aos humanos que naquela a terra a natureza também tinha os seus próprios caprichos.
Os seus animais selvagens, macacos, hienas, leões, elefantes, antílopes, búfalos, javalis e todos os outros, proliferam e pululam vertiginosamente em todos os cantos, os domésticos parem a um ritmo de duas criações por ano, as sementeiras e as colheitas fazem-se duas, nalguns casos até três, vezes ao ano, tal qual as árvores de fruto dão abundatemente no mesmo número os seus frutos.
A bela e plana província do Niassa é banhada pelo imenso lago do mesmo nome, ou de Malawi pelo país vizinho do mesmo nome.
O Lago Niassa ou Mawai, um lago tão belo e tão ímpar, quanto faz ondas e onde as pessoas se banham durante o dia enquanto os crocodilos dormem, e à noite se veem estes répteis serpentear pelas águas e a se alimentarem.
Com uma orientação norte-sul, o lago tem quinhentos e sessenta quilómetros de comprimento, oitenta quilómetros de largura máxima e uma profundidade máxima de setecentos metros.
O povo indígena natural e dominante do lago, dos dois lados da fronteira natural da água, dividindo os atuais países de Moçambique e do Malawi, resultantes das divisões imperiais portuguesa e britânica do Século XIX, são os Nianjas, ou o "povo do lago".
Na língua chiNyanja, falada na orla moçambicana do lago, niassa significa "lago", tal como o próprio nome do povo que usa aquela língua.
Os Nianjas, também apelidados de ChiNianjas, são um povo agrícola e piscatório, cuja religião ancestral era o animismo, temperado pelo monoteísmo de cruzadas e mistas influências rituais de cariz muçulmana e, mas mais remotamente e que se perde na história, cristã.
O Garcês, natural do Fundão, na Beira Baixa, morreu pouco tempo depois de voltar à sua terra natal de Portugal, correndo agora a lenda nos arredores da cidade de Vila Cabral, agora Lichinga, a capital do Distrito do Niassa, de que nas noites de luar descoberto se ouve ao longe o roncar de um Jeep, tal qual aquele homem o fazia conduzindo no seu desbravar das novas terras e levando consigo a língua e os costumes portugueses aos povos africanos.
(continua)
A relação destes dois seres tão diferentes e tão estranhos entre si, para mim, parece assemelhar-se à da perspetiva de um descobridor perante os povos nativos das áfricas, quais portugueses do século XV perante os novos mundos que ia descobrindo após ultrapassar o Cabo Bojador.
Famoso cabo esse o ultrapassado por Gil Eanes, em 1434, um mito que até aí inspirou lendas e medos sobre a existência de monstros marinhos e a falsa convicção da sua intransponibilidade, em virtude do desaparecimento de embarcações que anteriormente o tinham tentado contornar.
O Cabo Bojador, sendo constituído por recifes de arestas pontiagudas, pelo seu aspeto, era de maneira a dar aquela região um carácter ainda mais assustador e parecendo assim, às mentes mais medrosas e mesquinhas, tornar a navegação muito arriscada.
Qual medo infundado, como tantas outras prisões de grilhetas mentais, logo que dobrado, veio a mostrar um imenso novo mundo de espantosos e esplendorosos mundos que seguiram à primeira baía plácida encontrada, de ventos amenos, e derrubando os medievos e velhos receios passados.
Vencido o cabo e após ele abriram-se os caminhos para os grandes descobrimentos portugueses, essa grande e primeira globalização cultural, económica, social e étnica.
O mundo dos homens e a sua evolução passada até aí, de milhões de anos, vieram a reencontrar-se pela corajosa ação dos homens valentes de Portugal dos séculos XIV a XVI.
Estava criada a primeira civilização transoceânica.
Esta história fantástica, assim contada, traz-nos à memória o poema "Mar Português" de Fernando Pessoa:
"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas foi nele que espelhou o céu."
(continua)
Uma copa.
É um rio profundo e escarpado desnudando-se
Tem as formas e um sulco marcado
São montes que o abraçam e cobiçam
Corre neles a água de um desejo
O seu convite e o seu banho proibidos e permitidos
Fomos crianças e ainda somos nestas sombras
São verdejantes campos de imaginação
Vão na vida como sementeiras de amor
Um rio assim nasce e certamente desagua por afectos.
Poderia escrever, claro está se tivesse génio para tanto, que não tenho, um livro sobre a relação tão especialmente amorosa entre o dono da tabacaria e a sua namorada.
Vou-me limitar, apenas, umas pequenas palavras alinhavadas, para que o destino daquelas duas personagens se sinta livre de escrever o enredo pelo qual eles dois ainda hão-de dar frutos e descobridores ao mundo.
Entre aqueles dois seres, certamente, só pode mesmo haver amor, sou eu que aqui vos digo e afianço, com toda a certeza, e o juro do que estou total e plenamente convencido.
Pois como poderá de outra maneira se entender que aquela flor angelical, de gestos tão finos e repenicados, que é capaz de varrer o chão usando numa mão a vassoura e na outra a longa pá de lixo e o faça, graciosa e levemente, em gestos curtos e pausados, sem curvar as suas costas, um sequer milímetro, e sempre de cabeça levantada, tal qual uma bailarina hirta executa uma longa e graciosa valsa, seja capaz de amar aquele ser tão destrambelhado e tosco, sempre de cigarro na ponta da boca, de barba de fazer há três dias e com as fraldas sujas da camisa de fora, umas vezes aviando clientes na tabacaria e outras indo a nenhures e deixando o estabelecimento entregue aquela graça tão-sem jeito?
Certamente é amor, digo-o com inveja e admiração.
Só pode ser e é certamente!
Dois seres tão diferentes e ao mesmo tempo tão apaixonados, o que eu já os vi babados a admirarem-se mutuamente na pastelaria ao lado; enquanto ela comia e ao mesmo tempo saboreava o chantili com a ponta da língua um "éclair" e ele sorvia audivelmente um café, só pode ser, dúvidas não existem.
E sorriam um para o outro.
Ele usualmente fala entre gargalhadas e faz contas na loja perdendo-se nos trocos, já ela devolve-nos as moedas de troco como quem nos dá pétalas de rosa para nos perfumar o jornal do dia.
Mas a pergunta e a dúvida, que é de fascínio e admiração, interroga-nos e espanta-nos, como é que aquela donzela tão-sem jeito, reluzente, qual fogo sereno de inverno à lareira, de cintura fina, longas pernas, dourados e compridos cabelos, de face estreita, estreito e comprido nariz, de pequenos e luminosos olhos e de sorriso maroto sempre pronto, pode amar um ser tão-sem jeito e bruto?
Aqueles dois seres amam-se, o amor dela só pode ser de fascínio por um qualquer desconhecido mundo novo a desbravar.
Já o amor dele por ela virá de uma qualquer atração semelhante à de um indígena ou nativo por uma condição e qualidade que ele nunca, jamais, alcançará.
(continua)
Na verdade, cada vez mais me convenço, apesar mesmo de poder ser entendido como um sortilégio, o amor é algo que só está ao alcance de pessoas de muita e fina sensibilidade.
Ou então, vá-se lá perceber e no que não existe alguma contradição, pode até funcionar ao contrário: aqueles que o recebem em jorros e abundantemente, sem nada fazerem para o receberem, apenas o aceitando, basta-lhes e abunda pela mera paz de espírito de o aceitar e receber, qual cria apascentando-se no leite materno.
O amor é também para mim, no que penso só há bem pouco tempo e vim a constatar, o maior e mais evidente sinal de inteligência e sabedoria conquistadas por qualquer ser humano pode alcançar.
Não é nem o conhecimento de matemática, nem física quântica ou nuclear, não é cirurgia vascular ou neurocirurgia, nem sequer é possuir um elevado Quociente de Inteligência.
O amor é pura inteligência, a mais alta capacidade de um qualquer ser humano.
Mas o amor é também de uma tal evidência e simplicidade, que assusta mesmo aos mais intrigados e estudiosos sobre o assunto.
O amor possui também vários graus e diferentes expressões, mas todos eles se encaminham e se encontram nesse particular desprendimento da alma humana e no ato de querer fazer absolutamente feliz o outro, por maior qualquer que seja o custo, até mesmo e como se sabem nalguns casos, com o sacrifício da sua própria vida.
Este é o verdadeiro amor, o único e mais nenhum outro existe; claro está que pode assumir e revelar-se em várias facetas e várias formas: no amor de mãe, de filho, dos cônjuges ou até mesmo entre amigos.
Um amor assim, tão desprendido e, portanto, benigno, jamais pode fazer-se e dar-se em prejuízo de si mesmo, portanto do sentimento e das próprias pessoas ou de um qualquer terceiro.
É algo que cresce e se manifesta recíproca, fielmente e sem dor entre duas pessoas, é uma sementeira que é colheita, é um semeador acariciando a semente e alimentando-se dos seus frutos.
Vem tudo isto a propósito do amor do dono da tabacaria da minha rua e da sua namorada!
(continua)
Segundo o Índice de Felicidade Futura, um estudo realizado a nível mundial, Portugal, entre 158 países encontra-se em 146º lugar com uma classificação de 4.4, logo a seguir à Grécia no lugar 145.º com 4.6, que estão com notas até mais baixa que o Haiti, país que sofreu há dois anos e é considerado um dos países mais pobres do mundo e próximos, e já próximos do Zimbabué no lugar 158.º e com a classificação de 3,4.
Eu pergunto: até quando é que nós vamos aturar "os demónios" que nos conduzem a esta situação???
A felicidade é tão fácil de conseguir, e porque será que os portugueses se sujeitam a aturar estes "belzebus" que estão no Governo e no Estado que nos conduzem à pobreza, aos abusos, à corrupção e à miséria generalizada???
Revoltem-se caramba!
http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201203071919_TRR_80950606