Segundo o artigo 10.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa "o povo exerce o poder político através do sufrágio universal", "concorrendo os partidos políticos para a expressão da vontade popular".
E, ainda segundo o artigo 2.º da Constituição, "a República Portuguesa é baseada na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas."
Finalmente, segundo o artigo 3.º, n.º 1, "a soberania reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição e, segundo o n.º 2, "o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática".
A atitude deliberada de não votar, ou seja a massiva abstenção eleitoral, pode ser, e é neste momento, de grande parte do povo português, uma opção e uma tomada de posição políticas que tem uma mensagem, fins e objectivos bem delineados e concretos.
A opção de 47,4% de portugueses de não participarem nas últimas eleições autárquicas, foi claramente uma opção deliberada, considerando este mesmo povo que as eleições mais não são do que uma farsa, que estão viciadas à partida e não permitem que os melhores candidatos e programas de governo se apresentem ao escrutínios e aos eleitores, que os partidos e o Estado não o representam e não merecem mais a sua confiança.
Ora, a partir do momento em que mais de metade dos portugueses optem por não votar, expressando os portugueses a opção de que o atual regime politicamente não mais o representa e assim tomando opção de recusa de delegação da soberania nos partidos políticos, tem de se concluir, inequivocamente, que o regime político-constitucional perdeu toda e qualquer legitimidade para representar este mesmo povo.
E este é que é o grande temor dos partidos políticos: optando maioritariamente o povo português pela abstenção, portanto não participando nas eleições mais de metade dos eleitores e assim não sendo delegada a sua soberania política aos partidos, estes mesmos partidos, à luz da própria Constituição da República Portuguesa, passam a estar a desligitimados para exercerem o poder em nome do povo e não mais o representam.
E a partir deste momento, todo e qualquer poder político para além de ser ilegítimo, portanto não representando mais o povo, mais não é do que uma usurpação da soberania popular.
A abstenção é, soberanamente, um voto negativo do povo nos partidos que tem efeitos e consequências.