O assunto da conversa de hoje na tabacaria eram os resultados do fim de semana de futebol da liga principal de Portugal.
O dono da tabacaria é um ferrenho benfiquista, a sua namorada é sportinguista, falava com eles terçando os seus encarniçados argumentos uma habitual visita matinal da tabacaria, um jovem reformado, por motivos que eu desconheço, da função pública e alienado adepto portista.
Eu sou, como é sabido, um benfiquista de sete costados, embora só ligue ao futebol do meu clube quando vai na frente do campeonato.
Quando o Benfica começa a perder jogo após jogo e não lidera a classificação do campeonato rapidamente me afasto da companhia do futebol, evito a todo o custo falar no assunto e nem quero olhar para as notícias do futebol nacional, fico tão doente e não quero sequer que me recordem a doença, apesar de dizer repetidamente que não sou apanhado da bola.
Até evito as páginas do jornal relativas aos eventos do futebol nacional; faça uma censura pré-programada a todos os jornais e aquelas notícias, pratico uma espécie de lápis azul mental e assim evito tomar mais colheradas do amargo sabor do meu particular desgosto futebolístico.
Enfim, é a minha singular maneira de ver o futebol e de, como adepto, ir dizendo aos mais ferrenhos e solidários do futebol, que não sou tão doente como eles, mas, secretamente, sou mais sofredor, nada mais nada menos.
Oh Benfica das minhas tristezas!
O dono da tabacaria lá estava, vangloriava-se da vitória do fim de semana do seu, meu também, Benfica, sobre o adversário de ocasião, o que lhe havia permitido voltar ao primeiro lugar da classificação, tendo assim ultrapassado o Porto.
Estava ufano e risonho e as palavras saiam-lhe de satisfação em catadupa da boca, assemelhando-se o seu troar como os dos tambores dos combatentes, entremeados com guinchos e pingos de saliva, após a vitória em mais um contenda.
O portista ferrenho, face ao resultado do empate da jornada do seu clube e a perda do primeiro lugar da classificação, estava mais cordato e menos arrogante, desfazendo o novelo da sua ladainha peçonhenta contra o juiz do jogo do seu clube, apelidando-o desde ignorante a tendencioso, e o mais que se pode imaginar, mesmo um mefistófeles.
A sorte, perante os dois tendenciosos contendores masculinos, tendo até evitando que se encarniçasse ainda mais a luta dos adjetivos e pejorativos clubísticos, foi o desabafo de alegria daquela singela criatura mulher por ter visto o seu Sporting, do que deu uma nota colorida e alegre no seu sorriso fresco de segunda-feira, ter ganho por uma expressiva goleada de seis golos a um contra o adversário dominical.
Nenhum deles dois tinha ainda visto as respetivas imagens das partidas comentadas, limitando-se a porfiar e a desafiar argumentos e teses com base nos títulos dos jornais daquela manhã.
Lá fiz a compra do jornal, pagando-o com dinheiro certo a fim de sair em maior velocidade daquele cubículo de futebol e, recebendo os agradecimentos do casal, segui para o meu habitual matinal café e pastel de nata, estando esta semana, também eu, penhorado de alegria clubística, em face da vitória do meu Benfica, e assim me encontrando livre da autocensura e já podendo ler as notícias do futebol do fim de semana.
Ah como invejo dos tempos de outrora do grande Eusébio, glória e pantera do meu clube, ainda eu não era nascido, em que o Benfica colecionava consecutivamente vitórias e títulos às carradas e os adversários nacionais e europeus se vergavam sem resposta à gloriosa águia dourada e ao lema “et pluribus unum”, ou de “um por todos e todos por um”, que fizeram daquele clube uma outra lenda dos portugueses e correndo o mundo nos anos sessenta e setenta do século XX.
A primeira página é mais um escândalo, normal e quotidiano, o que já não constitui novidade nacional, um político qualquer apanhado no recebimento de dinheiro em troca de um loteamento urbano de favor numa zona de reserva ecológica nacional.
Estas notícias de ilegalidade e corrupção nem sei como ainda despertam interesse dos leitores, afinal a política nacional hoje mais não é do que uma conhecida quinta de repasto de abundantes ladrões e aldrabões nacionais.
Os partidos políticos estão cheios deles e o país e os seus recursos são a sua propriedade de saque e roubo.
O povo vai definhando em fome, desemprego, e miséria, contudo sempre tem o futebol para desfiar os seus toscos princípios e a sua moral enviesada, denotando o seu fanatismo e a sua coletiva alienação mental.
E nos dias em que às pessoas o futebol não apetece, ou não tem transferências ultra-milionárias de jogadores nem escândalos fabricados de arbitragem para desfiar, sempre lhe assistem uns quaisquer vizinhos ou os ciganos para deles dizerem mal por nenhuma razão.
A democracia tem coisas destas e os portugueses parecem, neste princípio de século XXI, dar boa conta do recado e fazendo jus à sua tradição ancestral de alcoviteiros, nas suas conversas de escárnio e maldizer, coisas conhecidas desde os Séculos XII e XIV, portanto desde a fundação da nacionalidade portuguesa.