A relação destes dois seres tão diferentes e tão estranhos entre si, para mim, parece assemelhar-se à da perspetiva de um descobridor perante os povos nativos das áfricas, quais portugueses do século XV perante os novos mundos que ia descobrindo após ultrapassar o Cabo Bojador.
Famoso cabo esse o ultrapassado por Gil Eanes, em 1434, um mito que até aí inspirou lendas e medos sobre a existência de monstros marinhos e a falsa convicção da sua intransponibilidade, em virtude do desaparecimento de embarcações que anteriormente o tinham tentado contornar.
O Cabo Bojador, sendo constituído por recifes de arestas pontiagudas, pelo seu aspeto, era de maneira a dar aquela região um carácter ainda mais assustador e parecendo assim, às mentes mais medrosas e mesquinhas, tornar a navegação muito arriscada.
Qual medo infundado, como tantas outras prisões de grilhetas mentais, logo que dobrado, veio a mostrar um imenso novo mundo de espantosos e esplendorosos mundos que seguiram à primeira baía plácida encontrada, de ventos amenos, e derrubando os medievos e velhos receios passados.
Vencido o cabo e após ele abriram-se os caminhos para os grandes descobrimentos portugueses, essa grande e primeira globalização cultural, económica, social e étnica.
O mundo dos homens e a sua evolução passada até aí, de milhões de anos, vieram a reencontrar-se pela corajosa ação dos homens valentes de Portugal dos séculos XIV a XVI.
Estava criada a primeira civilização transoceânica.
Esta história fantástica, assim contada, traz-nos à memória o poema "Mar Português" de Fernando Pessoa:
"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas foi nele que espelhou o céu."
(continua)